Desafios para o novo Gestor da Educação: Creches

Este texto faz parte da série que pretende debater aspectos da educação municipal, como desafios para a nova gestão da Prefeitura Municipal de Itupeva/SP e sua Secretaria de Educação.
_________________________________________________________________________


Por: Daniele Júlia Nascimento Martí





A Creche ainda configura-se em um grande problema e desafio para os gestores municipais. Sem vagas e investimento no setor a nova administração da Prefeitura Municipal de Itupeva tem uma missão árdua frente a essa faixa etária da educação.

A Educação Infantil em nosso país, surgiu mais formalmente após a revolução industrial, quando a mulher passou a trabalhar fora de casa. Além disso, muitos trabalhadores começaram a exigir esse serviço como direito enquanto trabalhadores que eram e de seus filhos.

No século XIX a educação da criança das classes menos favorecidas não possuía a mesma atenção que as crianças da elite, pois neste contexto o ser pobre era aquele merecedor de pena; os reformadores protestantes defendiam a educação como direito universal, mas o Estado priorizava a formação da elite.

Na década de 1920, a visão imperialista de que a escola era apenas para as camadas mais favorecidas da sociedade foi dando espaço à concepção da Democratização do ensino que via todas as crianças como iguais e detentoras desse direito.

Na década de 1930, o governo iniciou parcerias público-privadas, hoje conhecidas como PPPs, buscando apoio financeiro e criando órgãos voltados à assistência da criança nesta faixa etária, como o Ministério a Educação, o que foi realizado com intuito ao combate à mortalidade infantil, preocupando-se então com a higiene e cuidados das mesmas.

Em 1940, surgiu o departamento Nacional da Criança, com objetivo de ordenar atividades dirigidas à infância, maternidade e adolescência, sendo administrado pelo Ministério da Saúde. Na década de 1950 havia uma forte tendência médico higiênica do departamento nacional da Criança, desenvolvendo vários programas e campanhas visando o combate à desnutrição, vacinação e diversos estudos e pesquisas de cunho médico realizadas no Instituto Fernandes Figueira.

Daí em diante e por volta dos anos 1980, a forma de criar os filhos se modifica e a educação pré-escolar foi instituída oficialmente, entendida como política governamental através do III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto. E em 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, muda-se o sentido de educação infantil, passando esta a ser responsabilidade da Secretaria de Educação, sendo um nível de ensino, exigindo profissionais da educação infantil, ou seja, professores.

Hoje, já na segunda década dos anos 2000, é fundamental que todos tenham consciência da importância e influência desse nível de ensino dentro da formação global da criança. A Educação Infantil, uma etapa importantíssima da Educação Básica tem como finalidade, muito mais que cuidar, EDUCAR, educar no sentido de oferecer meios de construção do conhecimento pela criança, já que educação também vem de casa, mas no sentido amplo da palavra e mais formal, educar para a vida, de maneira lúdica, auxiliando o aluno, a desenvolver-se social e cognitivamente e por que não iniciar o seu LETRAMENTO.

Conversando com a Educadora Infantil Mayara Lícia Domingues, Servidora Pública de Itupeva/ SP, efetiva há 3 anos. Formada em Logística e Transportes pela Fatec/ Santos, com MBA em Administração e Logística pela Uninter, cursando o 2º ano de Pedagogia na Faculdade Cruzeiro do Sul, ela relata que o assistencialismo da creche ainda surpreende, mesmo com tanta evolução na área. O desafio aqui, além de aumentar vagas para atendimento da Demanda e sua universalização, que se sabe é crescente, é o de buscar a melhor qualidade de atendimento. 

Na gestão da administração de 2013 a 2016, tivemos o maior retrocesso na área. Em administração anterior, os profissionais que atuavam nessa área foram, quase que na totalidade, capacitados para o atendimento, recebendo formação para tanto, no antigo magistério, em nível médio. 

Em edital de 2012, para processo seletivo para Auxiliar do Desenvolvimento Infantil (antiga nomenclatura para o cargo que hoje é chamado de Educador Infantil), encontrei como requisito o que segue: "ENSINO MÉDIO COMPLETO COM HABILITAÇÃO EM MAGISTÉRIO ou LICENCIATURA PLENA - PEDAGOGIA ou NORMAL SUPERIOR COMPLETO", o que sabe-se é fundamental para que o profissional possa atender seres humanos em desenvolvimento pleno na primeira infância (0 a 3 anos)

Em Edital de Concurso Público para Educador Infantil (para atuar em creches), do ano de 2013 encontrei a seguinte descrição do cargo: 

"Atribuições Específicas a) Educador Infantil: Atuar nas unidades de educação, acolhendo, cuidando e educando crianças 0 (zero) a 4 (quatro) anos, em conformidade com a proposta educacional a que está vinculado; Promover o contato afetivo e harmonioso entre adulto e a criança; Conhecer e acompanhar o desenvolvimento das crianças a forma como vivem, seus progressos e dificuldades; Subsidiar e orientar as crianças em suas atividades educativas, recreativas, alimentares, higiênicas, fisiológicas e de repouso; Orientar, cuidar e servir, sob orientação pedagógica, a criança nas necessidades diárias, cuidando de sua higiene, orientando seus hábitos de limpeza pessoal, auxiliando nas refeições, oferecendo distrações e atividades educativas, proporcionando o bem estar e o desenvolvimento da criança sob sua responsabilidade; Zelar pela limpeza, guarda e conservação de ferramentas, equipamentos material de consumo e do local de trabalho; e, Executar outras tarefas de mesma natureza ou nível de complexidade, associadas à sua área de atuação." (Grifo Nosso)

e ainda verifiquei os requisitos para a função:

"DOS REQUISITOS PARA A INVESTIDURA NA FUNÇÃO PÚBLICA 4.1. O candidato aprovado e classificado ao final de todas as etapas no Concurso Público de que trata este Edital será contratado para a função pública que concorreu desde que atendidas cumulativamente, as seguintes exigências e requisitos para investidura na função pública: 4.1.1. Ter sido aprovado no presente concurso público, na forma estabelecida neste edital, seus anexos e em suas retificações; 4.1.2. Ser brasileiro, nato ou naturalizado, ou gozar das prerrogativas dos Decretos nº 70.391/72 e 70.436/72 e do Artigo 12, § 1º da Constituição Federal; 4.1.3. Deverá apresentar os documentos, original e cópia, listados abaixo quando solicitado: 4.1.3.1. Carteira do Trabalho do MTE (original) e 2 (duas) fotografias 3 x 4; 4.1.3.2. Apresentar o Título de Eleitor (original e cópia simples) e estar quite com as obrigações eleitorais, apresentando o último comprovante de votação ou a Certidão Negativa da Justiça Eleitoral (original);4.1.3.3. Estar quite com as obrigações militares, para os candidatos de sexo masculino (original e cópia simples); 4.1.3.4. Comprovar todos os pré-requisitos exigidos, através da apresentação de documentação original e cópia simples; 4.1.3.5. Ser considerado APTO no exame de saúde para admissão, conforme rotina estabelecida pela administração municipal, devendo o candidato se submeter aos exames psicológicos, clínicos e laboratoriais julgados necessários, que correrão por conta da Prefeitura Municipal de Itupeva. 4.1.3.6. Apresentar documento pessoal de identidade (original e cópia simples) e Cadastro de Pessoa Física da Receita Federal – CPF (original e cópia simples); 4.1.3.7. Certidão de nascimento (se for solteiro) ou de casamento (original e cópia simples); 4.1.3.8. Certidão de nascimento dos filhos menores de 21 anos (original e cópia simples); 4.1.3.9. PIS/PASEP (original e cópia simples); 4.1.3.10. Possuir idade mínima de 18 (dezoito) anos completados, quando da contratação; 4.1.3.11. Estar em gozo dos direitos políticos; 4.1.3.12. Apresentar certidão negativa de antecedentes criminais (original) e não registrar antecedentes criminais transitados em julgado, ou no caso destes, ter cumprido integralmente as penas cominadas; 4.1.3.13. Certificado ou Diploma de Escolaridade (original e cópia simples); 4.1.3.14. Apresentar outros documentos civis que forem exigidos pela Prefeitura Municipal de Itupeva à época da contratação em razão da regulamentação municipal; 4.1.3.15. Não ter sido demitido de função pública ou emprego da administração municipal dos Poderes Executivo ou Legislativo do Município de Itupeva, em virtude de aplicação de sanção disciplinar determinada por regular processo administrativo disciplinar ou sentença transitada em julgado; 4.1.3.16. Não ser aposentado por invalidez em qualquer dos regimes de previdência; 4.1.3.17. Ter atendido as condições especiais, prescritas na legislação vigente para as funções públicas. 4.1.4. Em razão do dispositivo constitucional acerca da aposentadoria compulsória fica vedada a admissão de candidatos com 70 (setenta) anos ou mais de idade.
Notem que nenhuma especificação quanto à formação específica para a atuação.

Ainda, encontra-se na Lei Complementar nº 389 - 11/11/2015 (Plano de Carreiras do Município), no anexo IX a descrição para o cargo e respectivo requisito de formação: Ensino Médio Completo. 

Sabe-se que a administração 2013/2016 foi feita por pessoal provindo do Governo do Estado, sem experiência nessa etapa da Educação Básica, e os gestores das creches em sua maioria, professores de Ensino Fundamental, o que ao meu ver, configura-se em erro sem tamanho. Também, é sabido que a Secretaria de Educação Municipal construiu apenas 1 creche (Rio das Pedras) e manteve, por meses, aluguel de prédios para a adequação e abertura de algumas unidades, mas não conseguiu atender a demanda, inaugurando nesses prédios apenas 2 unidades (Calabró e Guanabara).

O Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014, orienta que os municípios realizem levantamento periódico dessa demanda para planejamento de ações.

Ao meu ver, é fundamental a reformulação da Lei dos Planos de Carreiras, para adequação do requisito básico para atendimento dessa clientela, conforme era exigido em 2012. É necessário que se construa novas unidades e contratação de servidores concursados dentro da exigência quanto a formação, além disso, deve ser realizada a formação desses profissionais com extrema urgência e prioridade.

Muitos municípios fazem parcerias entre prefeitura e entidades "filantrópicas" para esse atendimento, seria uma forma de resolver periodicamente o empasse, mas  o que se configura em mais um retrocesso, já que a lei que cria o Fundeb (nº 11.494 de 2007, art.8º § 3º), proíbe esse tipo de parceria a partir de 2017, passando a ser obrigatório o atendimento de creche em entidades públicas.

O que esperamos da nova administração municipal e que talvez seja um de seus maiores desafios, é que essa etapa da educação Básica seja olhada com carinho e competência, a LDBEN a inclui na Educação Básica, por esse motivo é inadmissível que continuemos admitindo e concursando servidores sem a devida qualificação, que a formação em serviço, assim como para os professores das outras etapas, seja prioridade. É inadmissível, ainda , que os educadores não tendo essa formação inicial e continuada realizem procedimentos educacionais como aplicação de atividades, relatórios de observação de desenvolvimento, entre outros tão fundamentais nessa faixa etária. Deve-se colocar um prazo para que esses problemas sejam eliminados e conforme o item III do Plano Municipal de Educação (Lei nº 2034, de 19 de junho de 2015:

III – VALORIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS E
FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO:
METAS:
III.1. Garantir a todos os profissionais da educação formação específica, inicial para o ingresso na carreira e continuada durante todo o decênio, propiciando a cada profissional a oportunidade de participar, no mínimo, em um evento de formação ao ano. 

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica a orientação é clara:

"A ampliação das matrículas, a regularização do funcionamento das instituições, a diminuição no número de docentes não-habilitados na Educação Infantil e o aumento da pressão pelo atendimento colocam novas demandas para a política de Educação Infantil, pautando questões que dizem respeito às propostas pedagógicas, aos saberes e fazeres dos professores, às práticas e projetos cotidianos desenvolvidos junto às crianças, ou seja, às questões de orientação curricular. "

e ainda que:

"As creches e pré-escolas se constituem, portanto, em estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de zero a cinco anos de idade por meio de profissionais com a formação específica legalmente determinada, a habilitação para o magisté- rio superior ou médio, refutando assim funções de caráter meramente assistencialista, embora mantenha a obrigação de assistir às necessidades básicas de todas as crianças." (Grifo Nosso)
A construção participativa do Projeto Político Pedagógico dessas instituições é um importante meio para a formação desses profissionais e familiares para o entendimento das funções e necessidades delas. 

Todos devem participar das decisões democraticamente, é imprescindível que se coloque às famílias a função da creche e o seu papel na sociedade. 

A creche não pode ser vista como depósito de crianças, permitindo até mesmo que crianças doentes permaneçam em suas dependências, ou que sejam medicadas sem autorização.

Enfim, a creche deve ser olhada, gerida, entendida e atendida como uma das instituições mais importantes da esfera pública, onde toda a comunidade esteja ciente de seu papel social e educacional. Não sendo mais encarada como uma entidade assistencialista.



Referências:


KRAMER. S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. Rio de Janeiro: Achime, 1995.











http://www.fnde.gov.br/programas/proinfancia/proinfancia-apresentacao

Referenciais Curriculares Nacionais de Educação Infantil

________________________________________________________________________

Daniele Júlia Nascimento Martí
Professora de Ensino Fundamental e Ed. Infantil, há 19 anos
Pedagoga (PUC/ SP)
Especialista em Gestão de Instituições Educacionais (UNICOC) e em Especialista em Tecnologias Educacionais (PUC/Rio)
Fui Coordenadora Pedagógica de Educação Infantil e Ensino Fundamental de escolas municipais (rurais e urbanas).
Fui Tutora Pedagógica Especialista em Curso de Licenciatura em Pedagogia (pela Unicoc) Coordenadora e Formadora de Programa de Formação de Professores em Tecnologias Educacionais, que abrange a dimensão de formação, fornecimento de equipamentos e materiais digitais - Proinfo Integrado da SEED/ MEC - governo federal do Brasil (de 2008 a 2011), Coordenadora na Implantação de Sistema de Gestão - Planeta Educação - Future Kids - Vitae (Coordenei a implantação do sistema, sua alimentação e manutenção, emissão de boletins e históricos, de junho de 2009 a maio de 2010, na rede municipal de Itupeva, quando o contrato foi rescindido, liderando pessoal de apoio administrativo em 26 escolas municipais), além de cuidar da manutenção com informações, curiosidades e matérias relacionadas à educação no site da Diretoria de Educação de Itupeva/SP, neste mesmo período. Assessoria Pedagógica, Administrativa e Tecnológica em montagem de escolas e creches desde o esboço do projeto até sua implantação, e acompanhamento nas diversas dimensões da Gestão Educacional.
Membro da Diretoria Executiva e Coordenadora de Tecnologias Educacionais da Abrapee Nacional e Estadual de SP

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mídias e Tecnologias no Contexto Escolar: Um novo Desafio