A Educação que queremos surgirá no pós pandemia

De repente o mundo parou...
Parece que Raul previu o futuro, em sua música "O dia em que a Terra parou": 

Essa noite eu tive um sonho de sonhador
Maluco que sou, eu sonhei
Com o dia em que a Terra parou
Foi assim
No dia em que todas as pessoas
Do planeta inteiro
Resolveram que ninguém ia sair de casa
Como que se fosse combinado em todo
o planeta
Naquele dia, ninguém saiu de casa, ninguém
...
E o aluno não saiu para estudar
Pois sabia que o professor também não tava lá
E o professor não saiu pra lecionar
Pois sabia que não tinha mais nada pra ensinar
... 
E naquele dia nos vimos com um empasse em mãos. Como ensinar ou fazer aprender de longe?

Parece brincadeira, mas é a realidade, que em pleno ano 2020, não sabemos como chegar de maneira eficaz a milhares de alunos espalhados pelo Brasil.

Governos de todo país se empenhando para correr contra o tempo, para tentar, a duras penas, fazer com que esses alunos não percam o mínimo, ao menos.

Aqui, desta forma, não focaremos em escolas particulares e alunos com o devido acesso à internet de banda larga e equipamentos tecnológicos. O foco, no entanto, são alunos que muitas vezes vão à escola e nela encontram abrigo seguro para as violências de toda ordem, sofridas dentro dos próprios lares e em seu entorno. Ali, também, encontram refeição balanceada para matar a fome que perdura noite a fora e é saciada, através da merenda oferecida. E ainda, encontram colo, ombro amigo, carinho, afeto, assistência em todas as dimensões.

Grande desafio nos é imposto para atender à equidade e chegar a todos sem distinção. A longo prazo, apesar de todo esforço, os prejuízos são imensuráveis. As disparidades já eram enormes até antes da pandemia. E ao longo do distanciamento social muito se tem perdido em aprendizagem e desenvolvimento socioemocional, além da famigerada dimensão socioeconômica. A qual, precarizada, influi diretamente em todas as outras.

Pais, mães e responsáveis, desses alunos, dividem-se entre a necessidade de trabalhar, não saber com quem deixar os filhos e o medo de enviá-los, em futuro próximo, à escola correndo-se o risco de serem contaminados. Muitos não têm condições emocionais, econômicas, paciência ou conhecimento para atender aos filhos em suas aprendizagens, também foram pegos de surpresa, e estão tensos e preocupados com a atual situação.

É cruel pensar que foi preciso uma pandemia desta magnitude para trazer à tona um problema que nos assola há mais de uma década: a falta de investimento em democratização ao acesso à internet de banda larga e inclusão digital de alunos e de toda a sociedade, além de todo o debate em torno da falta de investimentos em saúde e planejamento econômico, e todos os atos de corrupção a que somos expostos diariamente, desde que o Brasil foi "achado".

Propostas feitas por especialistas nas redes de ensino, muitas e muitas vezes são relegadas, julgadas como utópicas. Projetos inovadores e sustentáveis engavetados. Propostas de parceria com Ministério da Educação para o fomento à formação tecnológica de professores e gestores e equipamentos para escolas são sucumbidas por prefeituras que não querem aderir a projetos de governos adversários ou simplesmente "porque não estamos preparados, não temos verba".

Enquanto isso, milhares de computadores e tabletes educacionais que o governo
federal, através da SEED/ MEC disponibiliza em convênio para as prefeituras, através do Proinfo Integrado, objetivando promover a inclusão digital e a formação de professores e gestores, estão esquecidos em propostas nem lidas por dirigentes educacionais.

A Escolástica que Freinet tanto criticou, em todo seu trabalho desenvolvido no durante e pós guerra, acabou sendo rompida bruscamente, quando há muito já se fala de sua necessidade. Apesar da referida quebra, ainda vemos a necessidade de cumprimento de demandas do ensino presencial, tradicional e fragmentado, de 6 a 10 disciplinas isoladas, com professores driblando quedas de energia, má conexão de internet, falta de interesse e desestímulo dos estudantes, falta de cultura e preparo no manejo  e aplicação de ferramentas tecnológicas, de aplicativos, de softwares de todo tipo, apoiados por muitos e desencorajados por outros tantos familiares desses alunos.

É possível imaginar que muitos estejam pensando em se livrar dessa nova forma de ensinar e aprender, em breve, assim que a pandemia passar, visto que fomos todos pegos de surpresa e a adaptação para a maioria está sendo bastante dura. Porém, invadimos o Ciberespaço ou ele nos invadiu, e é preciso entender que após a democratização do ensino, busca-se uma forma de universalizar este e garantir cumprimento da Constituição Federal e da LDBEN 9394/96 no que tange ao acesso e permanência ali preconizados. É então, chegado o momento para viabilizar tais urgências, garantindo também qualidade, e exigindo-se que se efetivem.

Pierre Levy, filósofo da comunicação francês, nos alerta para a Cibercultura, nos fazendo refletir em suas falas e livros sobre a e-democracia, ou democracia virtual, e diz que ela age em 3 dimensões:
a quebra do monopólio dos meios de comunicação de massa, transparência ou desejo de uma nas ações dos governos e habilidade de discutir coletivamente problemas importantes, de deliberar sobre as questões que são importantes para a vida política de nossos países, nossas cidades e assim por diante. (2019)
Então, por que não nos apropriar dessa nova forma de interagir, comunicar e conhecer o mundo em favor da Educação?

Segundo Ferreira (2011, apud SANTOS, 2014)
O ciberespaço, porém, imune aos contatos orgânicos de toda espécie e as doenças dos corpos humanos, acolhe as mentes perturbadas e isoladas e proporciona-lhes uma via de intercâmbio, troca de experiências, desabafos, apoio mútuo e relacionamento, que sem ele não seria possível.
Não estou defendendo aqui, que nossas crianças tenham que passar a ser educados remotamente, jamais, é fundamental que o professor esteja ao lado dos alunos, mediando a aprendizagem de conhecimentos construídos e fazendo construir outros novos. Mas, salientando, defendo há mais de uma década a necessidade de integração e implementação das novas, nem tão novas, TIC (Tecnologias de Interação e Comunicação), em favor da Educação, não como um fim em si mesmo, mas um meio para a aprendizagem.


É fundamental que os governos e suas equipes gestoras de educação, no país, estejam à frente de qualquer outro evento que surja na sociedade. Afinal, no campo da gestão educacional
torna-se imprescindível que se conheça a realidade e que se tenha as competências necessárias para realizar nos contextos educacionais os ajustes e mudanças de acordo com as necessidades e demandas emergentes no contexto da realidade externa e no interior da escola. No contexto dessa sociedade, a natureza da educação e as finalidades da escola ganham uma dimensão mais abrangente, complexa e dinâmica e, em conseqüência, o trabalho daqueles que atuam nesse meio. (LÜCK, 2009)

Hoje, estamos passando pela pandemia da Covid-19, mas outras tantas crises poderão surgir daqui para frente, urge, assim, que se pense, planeje e implemente formas de organizar a rotina e aprendizagem desses alunos, preparando-os para possíveis crises, como já houve na Índia, nos últimos dois anos, devido à condições climáticas extremas e à poluição, mantendo milhares de alunos afastados das atividades escolares por meses.

Enfim, para o retorno à rotina, mas não à normalidade, como já supomos,
deverão ser planejadas ações e protocolos preventivos e um enorme esforço para conter crianças de darem seus longos e alegres abraços e beijos em professores, funcionários e colegas. Além desses esforços, ações de formação e capacitação, estudos e pesquisas que viabilizem inovação na área administrativa e pedagógica dessas escolas, também implementação de aceleração de aprendizagem, para que essa geração de alunos não seja ainda mais prejudicada em sua jornada estudantil.

Temos alunos que possuem 'smartphones', 'tablets', 'notebooks', internet, outros tantos sem nem o que comer, outros sendo abusados, maltratados, negligenciados. Tantos outros, além de violentamente terem perdido a frequência à escola, violentamente perdem amigos, parentes, tanto pela própria falta de segurança, quanto pela doença.

Contudo, é necessário planejar um trabalho de acolhimento desses alunos, crianças, jovens e suas famílias, para um trabalho com habilidades socioemocionais, pensamento e atitude crítica, empoderamento e qualificação do jovem em questões como: protagonismo juvenil, socioambientais, tecnológicas, de empreendedorismo, de liderança, comunicação, de inclusão, debate e vivência de questões éticas e de direitos humanos, desenvolvendo um conhecimento de mundo para o pensar e agir glocal.

Investimentos serão necessários na inclusão digital, em propostas de escolas inovadoras, projetos de formação inicial e continuada de docentes para o trabalho adequado para todas essas questões.

Pensar também, ao invés de se promover uma campanha anti-China, em seguir modelos de contenção do vírus e a enorme capacidade de se recuperar de crises e catástrofes, como naquele país,  é extremamente fundamental.

Infelizmente, é necessário o caos para que se pense em soluções, que poderiam já estar implementadas. É necessário trabalhar, agora no impedimento, na antecipação, mitigação e recuperação em possíveis crises, tanto na sociedade quanto na área educacional. 


Referências

Pierre Lévy: os 03 fundamentos da democracia virtual. Fronteiras do Pensamento. 2019 . Disponível em: https://www.fronteiras.com/entrevistas/pierre-levy-os-03-fundamentos-da-democracia-virtual. Acessado em 11/06/2020.

Lück, Heloísa. Dimensões de gestão escolar e suas competências. Heloísa Lück. – Curitiba: Editora Positivo, 2009. 

ROSS, John. Coronavírus: A propaganda anti-China trará uma catástrofe para o Ocidente. REVISTA ÓPERA. Disponível em: https://revistaopera.com.br/2020/03/30/coronavirus-a-propaganda-anti-china-trara-uma-catastrofe-para-o-ocidente/. Acesso em 10/06/2020

SANTOS. M. A. S., CIBERESPAÇO E EDUCAÇÃO: Perspectivas, controvérsias e desafios para o docente frente ao mundo globalizado. REDEM. 2014. Disponível em: https://www.redem.org/ciberespaco-e-educacao-perspectivas-controversias-e-desafios-para-o-docente-frente-ao-mundo-globalizado/#:~:text=129)%2C,sem%20ele%20n%C3%A3o%20seria%20poss%C3%ADvel.

Acesso em 10/06/2020. 



Daniele Júlia Nascimento Martí


Professora de Ensino Fundamental e Ed. Infantil, há 22 anos,atuando como docente em Escola em Tempo Integral em Itupeva/ SP. 
Pedagoga (PUC/ SP)
Especialista em Gestão de Instituições Educacionais (UNICOC) e em Especialista em Tecnologias Educacionais (PUC/Rio)
Fui Coordenadora Pedagógica de Educação Infantil e Ensino Fundamental de escolas municipais (rurais e urbanas).
Fui Tutora Pedagógica Especialista em Curso de Licenciatura em Pedagogia (pela Unicoc) Coordenadora e Formadora de Programa de Formação de Professores em Tecnologias Educacionais, que abrange a dimensão de formação, fornecimento de equipamentos e materiais digitais - Proinfo Integrado da SEED/ MEC - governo federal do Brasil (de 2008 a 2011), Coordenadora na Implantação de Sistema de Gestão - Planeta Educação - Future Kids - Vitae (Coordenei a implantação do sistema, sua alimentação e manutenção, emissão de boletins e históricos, de junho de 2009 a maio de 2010, na rede municipal de Itupeva, quando o contrato foi rescindido, liderando pessoal de apoio administrativo em 26 escolas municipais), além de cuidar da manutenção com informações, curiosidades e matérias relacionadas à educação no site da Diretoria de Educação de Itupeva/SP, neste mesmo período. Assessoria Pedagógica, Administrativa e Tecnológica em montagem de escolas e creches desde o esboço do projeto até sua implantação, e acompanhamento nas diversas dimensões da Gestão Educacional. Membro da Diretoria Executiva e Coordenadora de Tecnologias Educacionais da Abrapee Nacional e Estadual de SP. Foi Diretora de Escola Municipal de Tempo Integral e como Assistente Técnico Pedagógico de Escola de Governo Municipal.

Comentários

  1. Acho que nunca mais seremos os mesmos... particularmente torço para que a política pública se convença do quanto é imprescindível a formação continuada na área educacional ,tanto no processo pedagógico quanto tecnológico, e o quanto que é fundamental e extremamente necessário estarmos atualizados e aperfeiçoados.Afinal ainda temos muitas flores pra regar nesse imenso jardim...

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